A Mao Esquerda de Deus - Paul Hoffman.pdf
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A Mão Esquerda de Deus
Paul Hoffman
Sinopse
"Preste atenção. O Santuário dos Redentores no Penhasco de
Shotover deve seu nome a uma grande mentira, pois há pouca redenção
naquele lugar e ele tampouco serve de refúgio divino."
Com esse alerta que o inglês Paul Hoffman começa A Mão
Esquerda de Deus, um livro sombrio e cheio de mistério. Estréia do autor
no romance aventura, a obra vem sendo divulgada no exterior como um
“novo Harry Potter”, muito embora o autor não recorra a elementos
sobrenaturais nem raças não-humanas em sua narrativa.
O cenário da trama é desolador. Habitado por meninos que
foram levados para lá muito novos e geralmente contra a sua vontade, o
Santuário dos Redentores é uma mistura de prisão, monastério e campo de
treinamento militar.
Lá, esses milhares de garotos são submetidos a uma sádica
preparação para lutar contra hereges que vivem nas redondezas. A intenção
dos Lordes Opressores, os monges que protegem o lugar, é fortalecer os
internos tanto física quanto emocionalmente, preparando-os para uma
monstruosa guerra entre o bem e o mal.
Entre os jovens está Thomas Cale. Não se sabe ao certo se ele
tem 14 ou 15 anos ou como foi parar ali. O que se sabe é que Thomas tem
uma capacidade incomum de matar pessoas e organizar estratégias de
combate. Essas poderosas habilidades serão colocadas à prova quando ele e
dois amigos testemunham um brutal assassinato entre os corredores
labirínticos da prisão.
A visão do crime dá início a uma perseguição desesperadora e,
finalmente fora dos muros do monastério, Cale irá compreender a extensão
da crueldade dos lordes e a verdadeira origem de seu poder.
1
Preste atenção. O Santuário dos Redentores no Penhasco de
Shotover deve seu nome a uma grande mentira, pois há pouca redenção
naquele lugar e ele tampouco serve de refúgio divino. A região à sua volta
é coberta de arbustos rasteiros e vegetação mirrada e você mal consegue
notar a diferença entre verão e inverno, o que quer dizer que faz sempre um
frio de rachar a qualquer época do ano. É possível ver o Santuário
propriamente dito a quilômetros de distância — quando não está encoberto
por uma neblina imunda, o que é raro —, com sua estrutura de sílex,
concreto e farinha de arroz. A farinha deixa o concreto mais duro do que
pedra, e esse é um dos motivos que possibilitaram à prisão — pois é isso
que ele é na verdade — resistir às várias tentativas de conquista, agora
consideradas tão inúteis que há centenas de anos ninguém tenta tomar o
Santuário de Shotover.
Trata-se de um lugar fedorento e asqueroso ao qual somente os
Lordes Redentores vão por livre e espontânea vontade. Quem seriam seus
prisioneiros, então? Essa, na realidade, é a palavra errada para os que são
levados para Shotover, pois sugere a existência de um crime, e nenhum
deles transgrediu qualquer lei feita por Deus ou pelos homens. Eles
também são diferentes de qualquer prisioneiro que você tenha visto antes:
somente garotos com menos de 10 anos são levados para lá.
Dependendo da idade em que entram, podem demorar mais de
15 anos para sair e, mesmo assim, apenas metade deles chega a tanto. A
outra metade é despachada dentro de sacos azuis para ser enterrada em
Ginky’s Field, um cemitério que começa atrás dos muros. O cemitério é
amplo, estendendo-se a perder de vista, o que talvez possa lhe dar uma
idéia do tamanho de Shotover e de como é difícil simplesmente continuar
vivo ali. Ninguém conhece toda a sua geografia e é tão fácil se perder em
meio aos seus corredores intermináveis e sinuosos quanto em um deserto.
Isso é agravado pelo fato de não haver mudança na paisagem — cada lugar
é praticamente idêntico ao outro: marrom, escuro, sinistro e com cheiro de
coisa velha e rançosa.
Parado em um desses corredores, um garoto olha pela janela,
segurando um saco azul-escuro grande. Tem algo entre 14 ou 15 anos de
idade. Nem ele nem ninguém sabe ao certo. Já não recorda como se chama
de verdade, pois todos os que chegam ali são rebatizados com o nome de
um dos mártires dos Lordes Redentores — que são muitos, uma vez que,
desde tempos imemoriais, todos os que eles não conseguiram converter os
odeiam profundamente. O menino que olha pela janela se chama Thomas
Cale, embora ninguém jamais use seu primeiro nome e ele esteja
cometendo um pecado gravíssimo por fazê-lo.
O que o atraiu para a janela foi o som do Portão Noroeste
rangendo como sempre rangia nas raras vezes em que era aberto, como o
gemido de um gigante com os joelhos terrivelmente doloridos. Ele ficou
olhando enquanto dois Lordes com suas batinas negras atravessavam o
portal, conduzindo um garotinho de cerca de 8 anos seguido por outro um
pouco mais jovem e por um terceiro. Cale contou vinte ao todo antes que
outra dupla de Redentores chegasse por último e o portão novamente se
fechasse, lenta e artriticamente.
A expressão de Cale mudou à medida que ele se inclinava para
a frente, tentando enxergar as Terras Crestadas que se estendiam para além
do portão que se fechava. Ele havia estado do lado de fora dos muros
apenas seis vezes desde que chegara ali, mais de uma década atrás — a
criança mais jovem já trazida para o Santuário, pelo que diziam. Nas seis,
tinha sido protegido como se as vidas dos guardas dependessem disso (o
que era verdade). Se tivesse fracassado em algum desses seis testes — pois
eles não eram outra coisa —, teria sido morto no ato. Da sua vida
pregressa, Cale não tinha lembrança.
Quando o portão se fechou, ele tornou a focar sua atenção nos
meninos. Nenhum deles era gorducho, mas tinham os rostos arredondados
de crianças pequenas. Todos ficaram de olhos arregalados ao verem a
fortaleza, com seu tamanho descomunal e muros enormes. No entanto,
embora estivessem perplexos e intimidados pela simples estranheza do
ambiente, não sentiam medo.
O peito de Cale se encheu de emoções profundas e estranhas
que ele não conseguia nomear. Contudo, por mais que estivesse entregue a
elas, sua habilidade de manter uma orelha em pé para qualquer coisa que
acontecesse ao seu redor o salvou, como tantas vezes no passado.
Ele se afastou da janela e desceu o corredor.
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