A Inquisição - Michael Baigent.doc

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A INQUISIÇÃO

A INQUISIÇÃO

Michael Baigent e Richard Leigh

(a corrigir, marcado com asterisco barra asterisco)

 

No verão de 1206 um monge espanhol chamado Dominic de Guzmán passou pelo

Sul da França. A seita Catar, que enfatizava a superioridade da

experiência directa do divino sobre a autoridade e rituais da Igreja era

excessiva. A partir desta justa indignação ele estabeleceu uma rede de

mosteiros com o propósito de reunir informações sobre seita e seus

seguidores.

Com a sua morte em 1221 e rápida canonização, Dominic fundou uma

organização que se transformou na base da Inquisição, formalmente

inaugurada pelo Papa Gregório 9 uma década após a morte do santo. Uma

das mais infames instituições criadas pela assim chamada civilização

Ocidental, a Inquisição foi responsável pela tortura e morte de

centenas de milhares de pessoas a maioria inteiramente inocentes das

acusações formuladas contra elas. Tendo alcançado seu apogeu no século

15 na Espanha sob Torquemada, a Inquisição estendeu seu  braço

sanguinário para o Novo Mundo e, além, até que finalmente perdeu o seu

nome em 1908.

No arrebatador balanço sobre as origens e história da Inquisição,

Michael Baigent e Richard Leigh demonstram as atitudes perniciosas que

colocaram gradualmente a Igreja contra outras organizações.

Tomando a controvérsia sobre os Manuscritos do Mar Morto como caso teste

recente, os autores demonstram como a Igreja nunca deixou de tentar

controlar e manipular a informação ou as idéias que impingiram sobre a

atividade e agressivamente exigiu obediência de seus bispos e outros

membros, utilizando uma variedade de ferramentas desde a excomunhão até

um catálogo de livros proibidos.

Poucos poderiam contestar que a Igreja Católica poderia oferecer  e

ofereceu consolo, suporte e uma caminho a ser percorrido por milhões

de pessoas. Hoje a Inquisição representa o lado violento e negro da

Igreja, e, como demonstra este livro, ainda carrega os elementos

fundamentais desse movimento.

_______

Agradecimentos

Como sempre, gostaríamos de agradecer a Ann Evans e Jonathan Clowes não

apenas por serem nossos  agentes,  mas  também  consultores,

administradores, advogados, intercessores, defensores,  cistercianos

pagãos e amigos, graças aos quais o poder de Sainte Quittière lança

sobre nós a sua proteção.

Pela ajuda e apoio numa variada gama de formas, também gostaríamos de

agradecer a Sacha Abercorn,John Ashby, Jane Baigent, Brie Burkeman, Bela

Cunha, Helen Fraser, Margaret Hill, Tony Lacey, Alan McClymont, Andrew

Nurnberg, Peter Ostacchini, David Peabody, John Saul, Yuri Stoyanov e

Lisa Whadcock.

Mais uma vez, também, nossa dívida com as bibliotecas  é imensa.

Gostaríamos de agradecer às equipes da Biblioteca Britânica, em St.

Pancras, da Biblioteca da Grande Loja Unida da Inglaterra, em Covent

Garden, e da Biblioteca Bodleian, em Oxford.

par un coup de dés et l'orme detachera le roi des aulnes. Une cité rosat

abritera les tetes abattues et le suaire gêne la lumiére.

A contrejour sachant la cellule, la clarté entrera la gareflfle. Les

belles éclaircies du vent

poussent le chat à herriser ses poils.

lis se refugient dans le bruissernents de la haieine de Méluisine.

JEHAN L 'AS CUIZ

 

Introdução

 

Quando o século 15 dava lugar ao 16,Jesus voltou. Reapareceu na

Espanha, nas ruas de Sevilha. Nenhuma fanfarra saudou seu advento, nem

coros de anjos, nem espetáculos  sobrenaturais, nem extravagantes

fenômenos meteorológicos. Ao contrário, ele chegou "de mansinho" e "sem

ser visto". No entanto, vários passantes o reconheceram,  sentiram uma

irresistível atração para ele, cercaram-no, amontoaram-se à sua volta,

seguiram-no. Jesus andou com toda modéstia entre eles, um suave sorriso

de inefável  misericórdia" nos lábios, estendeu-lhes as mãos,

concedeu-lhes sua bênção; e um velho na multidão, cego de infância,

milagrosamente recuperou o dom da visão. A multidão chorou e beijou o

chão a seus pés, enquanto crianças jogavam flores à sua frente, cantavam

e erguiam as vozes em hosanas.

Nos degraus da catedral, um préstito em prantos conduzia para dentro um

caixãozinho aberto. Em seu interior, quase escondida pelas flores, jazia uma criança de sete anos, filha única de um cidadão importante.

Exortada pela multidão, a mãe enlutada voltou-se para o recém-chegado e

implorou-lhe que trouxesse de

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volta à vida a menina morta. O cortejo fúnebre parou, e o caixão foi

deposto aos pés dele nos degraus da catedral.

- Levanta-te, donzela! ele ordenou em voz baixa, e a menina logo se

pôs sentada, olhando em volta e sorrindo, os olhos arregalados de

espanto, ainda a segurar o buquê de rosas brancas que fora colocado em

suas mãos.

Esse milagre foi testemunhado pelo cardeal e Grande Inquisidor da

cidade, quando passava com seu séquito de guarda-costas "um velho, de

quase noventa anos, alto e empertigado de estatura, com uma cara

enrugada e olhos muito fundos, nos quais, no entanto, ardia ainda um

brilho de luz. Tal era o terror que ele inspirava  que a multidão,

apesar das circunstâncias extraordinárias, caiu em deferente silêncio e

abriu-se para dar-lhe passagem. Tampouco alguém ousou interferir

quando, por ordem do velho prelado, o recém-chegado foi sumariamente

preso pelos guarda-costas e levado para a prisão.

Esta é a abertura da Parábola do Grande Inquisidor, de Feodor

Dostoiévski, uma narrativa mais ou menos independente, de vinte e

cinco páginas, embutida nas oitocentas  e tantas de Os  Irmãos

Karamazov, romance publicado pela primeira vez em fascículos numa

revista de Moscou em 1879 e 1880. O verdadeiro significado da parábola

está no que vem depois do dramático prelúdio. Pois o leitor espera,

claro, que o Grande Inquisidor fique devidamente horrorizado ao saber

da verdadeira identidade do seu prisioneiro. Não é isso, porém, que

acontece.

Quando ele visita Jesus na cela, está claro que sabe muitíssimo bem quem

é o prisioneiro; mas esse conhecimento não o detém. Durante o prolongado

debate filosófico que se segue, o velho permanece inflexível em sua

posição. Nas escrituras, Jesus é tentado pelo demônio no deserto com a

perspectiva de poder, autoridade

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Desde que Os Irmãos Karamazov foi publicado e traduzido, o Grande

Inquisidor de Dostoiévski gravou-se em nossa consciência como a imagem e

a encarnação definitivas da Inquisição. Podemos compreender o agônico

dilema do velho prelado. Podemos admirar a complexidade de seu

caráter. Podemos até mesmo respeitá-lo pelo martírio pessoal que está

disposto a aceitar, sua auto-condenação à perdição, em nome de uma

instituição que considera maior que ele próprio. Também  podemos

respeitar seu realismo secular e a compreensão brutalmente cínica por

trás dele, a sabedoria mundana que reconhece o mecanismo e a dinâmica

do poder mundano. Alguns de nós bem podem se perguntar se - estando na

posição dele e com suas responsabilidades não seriam impelidos a agir

como ele. Mas apesar de toda tolerância, da compreensão,  talvez da

simpatia e perdão que consigamos angariar para esse homem, não podemos

escapar à consciência de que ele é, por qualquer padrão moral honesto,

intrinsecamente mal e que a instituição que representa é culpada de

uma monstruosa hipocrisia.

Até onde é exato, representativo, o retrato pintado por Dostoiévski? Em

que medida a figura na parábola reflete com justeza a instituição

histórica real? E se a Inquisição, personificada pelo velho prelado de

Dostoiévski, pode de fato ser equiparada ao demônio, em que medida pode

essa equiparação ser estendida à Igreja como um todo?

Para a maioria das pessoas hoje, qualquer menção à Inquisição sugere a

Inquisição da Espanha. Ao buscar uma instituição que refletisse a Igreja

Católica como um todo, também Dostoiévski invocou a Inquisição na

Espanha. Mas a Inquisição, como existiu na Espanha e em Portugal, foi

única desses países e tinha de prestar contas, na verdade, pelo menos

tanto à Coroa quanto à Igreja.

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Isso não pretende sugerir que a Inquisição não existiu e atuou em outras

partes. Existiu e atuou, sim. Mas a Inquisição papal ou romana  como

foi conhecida a princípio informalmente, depois oficialmente  diferiu

daquela da Península Ibérica. Ao contrário de suas correspondentes

ibéricas, a papal ou romana não tinha de prestar  contas a nenhum

potentado secular. Atuando por toda a maior parte do resto da Europa, só

tinha aliança com a Igreja. Criada no início do século treze, predatou

a Inquisição espanhola em cerca de 250 anos. Também durou mais que as

correspondentes ibéricas. Enquanto a Inquisição na Espanha e Portugal se

achava extinta na terceira década do século dezenove, a papal ou romana

sobreviveu. Existe e continua ativamente em função até mesmo hoje. Mas o

faz sob um nome novo, menos emotivo e estigmatizado. Com seu atual

título desinfectado de Congregação para a Doutrina da Fé,  ainda

desempenha um papel de destaque na vida de milhões de católicos por

todo o globo.

Seria um erro, porém, identificar a Inquisição com a Igreja como um

todo. Não são a mesma instituição. Por mais importante que a Inquisição

tenha sido, e continue  a ser, no mundo do catolicismo romano,

permanece apenas como um aspecto da Igreja. Houve e ainda há muitos

outros aspectos, que nem todos merecem o mesmo opróbrio. Este livro é

sobre a Inquisição em suas várias formas, como existiu no passado e

existe hoje. Se ela surge sob uma luz dúbia, essa luz não precisa

necessariamente estender-se à Igreja em geral.

Em sua origem, a Inquisição foi produto de um mundo brutal, insensível e

ignorante. Assim, o que não surpreende, foi ela própria brutal,

insensível e ignorante. E não o foi mais do que inúmeras outras

instituições da época, espirituais e temporais. Tanto quanto essas

outras instituições, faz parte de nossa herança coletiva. Não

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podemos, portanto, simplesmente repudiá-la e descartá-la. Devemos

enfrentá-la, reconhecê-la, tentar compreendê-la em todos os  seus

excessos e preconceitos, e depois  integrá-la numa nova totalidade.

Meramente lavar as mãos em relação a ela equivale a negar

alguma coisa em nós mesmos, em nossa evolução e desenvolvimento como

civilização uma forma, na verdade, de auto-mutilação. Não podemos ter

a presunção de emitir julgamento sobre o passado segundo critérios do

que é politicamente correto em nosso tempo. Se tentarmos fazer isso,

descobriremos que todo o passado é culpado. Então ficaremos apenas com

o presente como base para nossas hierarquias de valor; e quaisquer que

sejam os valores que abracemos, poucos de nós serão tolos o bastante

para louvar o presente como algum tipo de ideal último. Muitos dos

piores excessos do passado foram causados por indivíduos que agiam com o

que, segundo o conhecimento e moral da época, julgavam as melhores e

mais dignas das intenções. Seria precipitado imaginar como infalíveis

nossas próprias intenções dignas. Seria precipitado  imaginar essas

intenções incapazes de produzir conseqüências desastrosas como aquelas

pelas quais condenamos nossos antecessores.

A Inquisição às vezes cínica e venal, às vezes maniacamente fanática

em suas intenções supostamente louváveis na verdade pode ter sido tão

brutal quanto a época que a gerou. Deve-se repetir, no entanto, que

não pode ser equiparada à Igreja como um todo. E mesmo durante seus

períodos de mais raivosa ferocidade, a Inquisição foi obrigada a lutar

com outras faces, mais humanas, da Igreja  com as ordens monásticas

mais esclarecidas, com ordens de frades como a dos franciscanos, com

milhares de padres, abades, bispos e prelados individuais de categoria

superior, que  tentavam  sinceramente  praticar  as  virtudes

tradicionalmente associadas ao cristianismo. E não se deve esquecer a

energia criativa que a Igreja inspirou na música, pintura, escultura e

arquitetura que

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representa um contraponto para as fogueiras e câmaras de tortura

da Inquisição.

No último terço do século dezenove, a Igreja foi obrigada a abrir mão

dos últimos vestígios de seu antigo poder secular e político. Para

compensar essa perda, buscou  consolidar seu poder espiritual e

psicológico, exercer um controle mais rigoroso sobre os corações e

mentes dos fiéis. Em conseqüência disso, o papado se tornou  cada vez

mais centralizado; e a Inquisição se tornou cada vez mais a voz

definitiva do papado. É nessa condição que "re-rotulada de Congregação

para a Doutrina da Fé funciona hoje. Mas mesmo agora, a Inquisição

não impõe de todo a sua vontade. Na verdade, sua posição é cada vez

mais assediada, à medida que católicos  em todo o mundo adquirem o

conhecimento, a sofisticação e a coragem de questionar a autoridade de

seus pronunciamentos inflexíveis.

Certamente que houve e, pode-se bem dizer, ainda há Inquisidores dos

quais a parábola de Dostoiévski oferece um retrato preciso. Em alguns

lugares e épocas, esses  indivíduos podem de fato  ter  sido

representantes da Inquisição como instituição. Isso, porém, não faz

deles necessariamente uma acusação à doutrina cristã que em  seu zelo

buscaram propagar. Quanto à própria Inquisição, os leitores deste livro

bem podem constatar que foi uma instituição ao mesmo tempo melhor e pior

que a descrita na parábola de Dostoiévski.

 

 

Um Zelo Ardente pela Fé

 

Inspirado na grande habilidade de vendedor de São Paulo,

o cristianismo sempre ofereceu caminhos mais curtos para o Paraíso.

Assim, já recrutava adeptos mesmo antes de seu surgimento como religião

reconhecível. Por meio do martírio, da auto-mortificação, da meditação

e contemplação, da solidão, do ritual, da penitência, da comunhão, dos

sacramentos por todas essas vias, dizia-se que o Reino dos Céus se

abria para os crentes. Algumas dessas rotas de acesso podiam incorporar

elementos de patologia, mas eram na maior parte pacíficas.  E mesmo

quando os cristãos do primeiro milênio combateram como, por exemplo,

sob Carlos Martel e depois Carlos Magno  o fizeram basicamente em

defesa própria.

Em 1095, porém, abriu-se oficialmente uma nova rota para o domínio de

Deus. Na terça-feira, 27 de novembro daquele ano, o Papa Urbano 2 subiu

numa plataforma erguida num campo além do portão leste da cidade

francesa de Clermont. Daquela eminência, pregou uma cruzada, uma guerra

feita em nome da Cruz. Nessa guerra, segundo o Papa, podia-se obter o

favor de Deus, e um assento ao lado do Seu trono, matando.

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Não, claro, que o Papa fosse indiscriminado. Ao contrário, exortou os

cristãos a desistirem da prática deplorável, embora havia  muito

estabelecida, de se matar uns aos outros. Exortou-os a dirigir suas

energias assassinas para os infiéis islâmicos, que ocupavam a cidade

santa de Jerusalém e o Santo Sepulcro, suposto local do  enterro

de Jesus. Afim de recuperar para o cristianismo a cidade e a tumba, os

guerreiros europeus eram estimulados a embarcar numa guerra justa sob a

orientação direta de Deus.

Mas matar era apenas um dos componentes de um pacote atraente. Além da

permissão para matar, os bons cristãos obteriam remissão de qualquer

pena que já houvessem sido condenados a cumprir no Purgatório, e de

penitências a serem pagas ainda na terra. Se o cristão morresse nesse

esforço, prometiam-lhe automática absolvição de todos os seus pecados.

Se sobrevivesse, seria protegido de castigo temporal por quaisquer

pecados que cometesse. Como o monge ou o padre, o cruzado tornava-se

independente da justiça secular e sujeito apenas à jurisdição espiritual.

Se fosse julgado culpado de qualquer crime, simplesmente lhe retirariam

ou confiscariam a cruz vermelha de cruzado, e ele seria então "punido

com a mesma tolerância que os eclesiásticos. Nos anos seguintes, os

mesmos benefícios seriam concedidos em  escala mais ampla. Para ter

direito a eles, não se precisava nem embarcar pessoalmente numa cruzada.

Bastava dar dinheiro a um cruzado.

Além dos benefícios espirituais e morais, o cruzado gozava de muitas

outras proteções em sua jornada por este mundo, antes mesmo de passar

pelos portões celestes. Podia tomar bens, terras, mulheres e títulos no

território que conquistasse. Podia amealhar tanto butim e saque quanto

desejasse. Qualquer que fosse seu status em seu país filho caçula sem

terra, por exemplo podia estabelecer-se como um augusto potentado

secular, com corte, harém e uma substancial propriedade territorial.

Esse era o butim a ser

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colhido simplesmente por meter-se numa cruzada. Era um pacote cujo vulto

e valor de mercado bem poderiam ser invejados pelo vendedor de seguros

de hoje.

Assim, vieram as cruzadas. Em 1099, a Primeira estabeleceu o Reino

Franco de Jerusalém o primeiro caso na história do que seria visto

séculos depois como imperialismo e colonialismo ocidentais. A Segunda

Cruzada ocorreu em 1147, a Terceira em 1189, a Quarta em 1202. No todo,

foram sete. Nos intervalos, campanhas em escala total  organizadas e

financiadas na Europa, períodos de luta entre cristãos e muçulmanos

alternados com pausas de paz instável, durante as quais o comércio

tanto de idéias quanto de bens prosperava.

O Ou tremer, o além- mar como era conhecido, passou a compreender um

principado autônomo no coração do Oriente Médio islâmico, mantido e

apoiado pelas armas e homens de quase todo reino europeu. A própria

cidade de Jerusalém seria recapturada pelos sarracenos em 1187. Como

posto avançado do cristianismo ocidental,  porém, o Ou  tremer

sobreviveria por mais um século. Só em maio de 1291 Acre, a única

fortaleza restante, foi tomada, a última torre desabando numa cascata de

pedras, entulho e chamas que sepultou atacantes e defensores.

Se os vendedores de seguros da época puderam honrar as garantias

espirituais de propriedades no céu e um assento ao lado de Deus  não

sabemos, claro. O cumprimento de promessas temporais é mais fácil de

acompanhar. Como muitos pacotes de acordos e esquemas de troca, este se

revelou uma bênção para uns poucos e uma decepção para a maioria. Um

número estonteante de nobres, cavaleiros, homens de armas, comerciantes,

empresários, artesãos e outros, incluindo mulheres e crianças, morreu

sem qualquer propósito, muitas vezes após amargas provações e em

condições horrorizantes, às vezes até devorados pelos companhei-

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ros famintos. Mas muitos prosperaram, e obtiveram terras, títulos,

butim, riqueza e outras recompensas concretas; e estes serviam de

chamarizes para os outros. Quando nada, adquiriam destreza nas armas,

técnicas e tecnologias de guerra, combate e matança; e se a Terra Santa

não oferecia recompensa adequada para as recém-adquiridas  aptidões de

um homem, ele sempre podia trazê-las de volta para a Europa e

aproveitá-las ali.

 

Santo Fratricídio

 

Em 1208, quando as cruzadas na Terra Santa ainda prosseguiam e o Reino

Franco de Jerusalém lutava pela sobrevivência, o Papa Inocêncio 3

lançou uma nova Cruzada.  O inimigo desta vez não seria o infiel

islâmico, do outro lado do Mediterrâneo, mas os adeptos de uma heresia

no sul da França. Os hereges em questão eram às vezes  chamados de

cátaros, que significava purificados ou aperfeiçoados.  Por

outros, incluindo os inimigos, eram chamados de albigensianos ou

albigenses, designação  derivada de um primeiro centro de suas

atividades, a cidade sulista francesa de Albi.

Os cátaros acham-se muito em voga hoje, tornados atuais pelo interesse

em misticismo comparativo e a febre geral do milênio. Passaram a ser

recobertos com o manto de romantismo, poesia e simpatia muitas vezes

associados a causas tragicamente perdidas. Mas embora não justifiquem as

mais extravagantes idealizações que lhes fizeram  nos últimos tempos,

ainda assim devem figurar entre as vítimas mais pungentes da história, e

merecem ser reconhecidos entre os primeiros alvos de um genocídio

organizado e sistemático na evolução da civilização ocidental.

Embora possam, num sentido geral, ser chamados de cristãos

(eles atribuíam um significado teológico a Jesus),  os  cátaros

opunham-se inflexivelmente a Roma e à Igreja Romana. Como iriam

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